Se o arqueiro atira uma flecha no vazio, em que ele vai acertar? Vencer o ataque através do vazio é o primeiro fundamento da estratégia chinesa, ou seja, trabalhar com a ausência do ego.
Mestre
Wu Jyh Cherng -
Sociedade Taoísta do Brasil
No estudo da estratégia, se diz que os grandes mestres de estratégia trabalham com o princípio da ausência do ego. Se as pessoas não tivessem ego, não haveria luta entre elas. Se, por exemplo, você tem um profundo apego por chocolate, quem na verdade tem esse apego? O seu “eu”, que é o seu ego. Com a ausência do ego, não vai existir o apego ao chocolate. Nesse caso, você poderia até comer o chocolate, mas não teria apego a ele, não seria viciado. Apego é aquilo que você quer. Mais do que isso. É algo que você não consegue deixar de querer. Em outras palavras, apego é vício.
Nós somos viciados em inúmeras coisas. Existem pessoas que são viciadas, por exemplo, em cuidar de outras pessoas. Existem aquelas viciadas em coca-cola, em dinheiro, em ideologia, em sexo e em inúmeras outras coisas. Todos nós temos alguns vícios, de níveis e tipos diferentes. E existem vícios que, normalmente, nem são percebidos como vícios.
Muitas vezes, você está numa festa ou num lugar público e percebe que, quando vira de costas, uma determinada pessoa dirige a você um olhar insistente e negativo. Você, então, poderia lançar mão de uma técnica muito usada por taoístas nessa situação: respirar umas duas ou três vezes prestando atenção ao ritmo da sua respiração para que ela fique tranqüila; não deixar transparecer no rosto nem nas atitudes externas que percebeu o que está acontecendo; e começar a esvaziar seu interior, imaginando que você todo está se tornando um vazio, restando do seu corpo apenas uma silhueta.
Nessa hora, a energia desconfortável daquele olhar vai passar por você como se estivesse passando por um vazio. Algum tempo depois, você vai notar que aquela pessoa está começando a sentir um cansaço imenso, e vai ficar cada vez mais cansada até desistir de olhar para sua direção.
Um mestre antigo dizia que nós deveríamos saber receber tudo o que vem do mundo e repassar tudo de volta para o mundo. Dessa maneira, a nossa vida torna-se algo vazio e esse vazio permite que a vida flua dentro de nós. É desse processo que vem a alegria sem euforia e a tristeza sem depressão. Vêm coisas saborosas e amargas, e tanto umas quanto outras entram e saem de nós como se estivessem sendo derramadas numa garrafa sem fundo.
Assim, a nossa capacidade tanto de receber quanto de dar nunca termina e, com isso, a vida se torna mais leve porque, nesse momento, deixamos de fluir na vida para deixar a vida fluir em nós. A partir dessa hora nós nos transformamos e ficamos como se fôssemos um tubo por onde a água, que simboliza a vida, passa por nós e vai adiante, fluindo sem parar porque não existe um fundo, um limite que a represe.
De modo contrário, se nós tivermos um fundo, como uma garrafa ou um copo, a água não vai fluir. Ela vai encher essa garrafa até seu limite, depois transbordar, e terminar levando o copo ou a garrafa junto com ela, em vez de passar e sair. Então, a pessoa que tem o ego muito forte é levada pelo destino, em vez de permitir que o destino ou a vida passe por ela.
Quanto mais esvaziados o copo ou a garrafa, mais a água vai fluir e passar dentro de nós, mais o destino vai passar por nós, e seremos donos desse destino. Quanto menos esvaziados, mais obstáculos a água vai encontrar para fluir dentro de nós e, nesse caso, os papéis serão invertidos: nós vamos passar por dentro vida e ela é que será a dona do nosso destino.
Precisamos nos esvaziar para podermos nos tornar receptivos. Sendo receptivos, podemos de fato abraçar todas as coisas e, ao mesmo tempo, permitir que todas as coisas se desenvolvam e se transformem de modo natural e fluido.
O homem iluminado é o que possui a abertura interior.
Muita Luz e Paz a Todos!
José Capatti